Novo Paradigma Arquivistico: Interpretação social

DOCE AROMA DE NOVO PARADIGMA NO AR…

Durante minhas pesquisas, tenho sentido no ar um doce aroma de mudança de paradigma, por mais que isto possa significar uma anomalia, crise no conhecimento e venha a desagradar o saber constituído e o modelo acadêmico formal. Tudo bem, não será a primeira nem a última vez que isto acontece no processo de construção do conhecimento.

Para suavizar, na medida em que vou compreendendo melhor a própria noção de paradigma proposta por Thomas Kuhn, é sensato ter a humildade de dizer que, mesmo que a afirmação de mudança de paradigma tenha sido proposta abertamente por dois proeminentes teóricos da Arquivologia moderna, Terry Cook e Fugueras, optarei por usar mais o sentido de que há uma clara proposta de mudança de paradigma, na esfera pública global. A história e a filosofia da Ciência nos prepara o pensamento para acalentar a expectativa interior de que essa proposta seja suscetível de ser aceita na exata proporção de que todos possamos assimiliar sua significação e seu impacto na Arquivologia clássica e no que imaginamos ser uma Arquivologia emergente!

PALÁCIO DA PAZ – HAIA

O código de ética do Conselho Internacional de Arquivos (CIA) no item 9, diz que é inerente ao profissional arquivista a busca pela excelência profissional e o compartilhar suas experiências, dai uma das razões da participação em Seminários e Congressos, como um modo de atualizar e compartilhar conhecimentos arquivísticos, bem como intensificar o diálogo interdisciplinar com nossos pares e todos os atores sociais. Foram seminários que abriram-me os horizontes mentais, notadamente o centenário congresso realizado no Palácio da Paz, em Haia: ARCHIVES WITHOUT BORDERS – AWB. Como pode uma edição centenária de um evento memorável como este acontecer bem durante a elaboração de meu TCC? E como pode ele ter servido para propor a ideia de uma mudança paradigmática na Arquivologia que hoje contemplamos? Para mim, nada acontece por acaso!

 O norte de minha pesquisa, sob a orientação do Prof. orientador, Jorge Enriquez Vivar, foi a inspiração de Ramon Alberch Fugueras e sua emblemática obra: Los Archivos, entre la memoria histórica y la sociedad del conocimiento, um dos idealizadores da AsF, Archiveros sin Fronteiras na Espanha. Ele foi o pioneiro da apresentação da “dimensão cidadã” dos arquivos, que está no eixo quádruplo: patrimônio – memória – identidade – conhecimento.

Com a graça do Arquiteto Eterno e com o norte acima, consegui elaborar meu TCC em 2010 e defendê-lo no início de 2011, sob o título: “A Arquivística Social expressa na Declaração Universal sobre os Arquivos (DUA)*1. O caso dos Arquivistas sem Fronteiras (AsF)”. Depois de tornar-me avô consegui lograr o grau de bacharel em Arquivologia!

Claro que, como todo pesquisador e aprendiz, ávido por desafios intelectuais e construção de conhecimento inovador, encontrei a “sereia” da sedução de uma alta gama de aplicabilidades da Arquivística Social, mas o rigor formal da formatação de um TCC, levou-me a buscar o melhor recorte para a explanação desta nova ideia. Foi complicado, mas penso que consegui, no mínimo, aprender muito durante o processo de prospecção, elaboração teórica, observação, síntese e análise. Humildemente, reconheço que não foi nada fácil. Mas estamos ai para buscar concentrar o foco e suave, leve e passo a passo, buscar compartilhar a melhor compreensão que posso ter alcançado do que entendo ser um movimento global em torno de uma arquivística social, solidária, mais humanizada e que serve de suporte aos Direitos Humanos, pois tem o foco concentrado na “dimensão cidadã”.

 Durante a pesquisa, na falta de literatura nesta área no Brasil, tomei contato com o pensamento do renomado professor de História e Arquivista por vocação, Randall Jimerson, ex-presidente da SAA – Society of American Archivists, o qual é autor de um livro muito interessante, ainda sem tradução no Brasil: “ Archives Power: Memory, Accountability and Social Justice”

Num outro texto acadêmico de Jimerson (2008): “Archives for All: The Importance of Archives in Society” ele apresenta 3 metáforas que merece ser compartilhada com todos, as quais sugerem uma nova dimensão para os arquivos alinhada com a mudança de paradigma da arquivologia para o da interpretação social (memória, identidade e comunidade) proposta por Terry Cook, no Congresso de Arquivologia e Memória, realizado dia 8/12/2010, na Universidade de Dundee com o apoio da Real Sociedade de Edimburgo, na Escócia .

As metáforas abaixo, no meu olhar são paradigmáticas e, por que não dizer, inspiram profecia, elas são simples e repletas de significações. Para mim são uma pérola intelectual que contribuirá para a construção de uma nova consciência social da relevância da Arquivologia! Aprecie:

As 3 metáforas da Arquivologia – propostas por Jimerson:

“Ao invés de esconder o nosso poder no reino da memória, da história e do passado, espero que os arquivistas abracem o poder dos arquivos e use-no para o bem da humanidade. Antes de analisarmos as respostas a este desafio de usar o poder dos arquivos, precisamos entender algumas de suas manifestações. Há três aspectos essenciais do poder dos arquivos, refletidos nas metáforas abaixo:

O TEMPLO: autoridade e controle sobre a memória (coletiva) social;

A PRISÃO: o controle sobre a preservação e segurança dos documentos de arquivos;

O RESTAURANTE: o papel do arquivista como intérprete e mediador entre os documentos e os usuários.”

(JIMERSON, 2008. Archives for All: The Importance of Archives in Society)

*1 A tradução oficial da DUA para o língua portuguesa foi revisada, recentemente, o que resultou numa tradução bilíngue Brasil-Portugal e foi republicada no site do Arquivo Nacional e já está disponibilizada no portal do ICA – Conselho Internacional de Arquivos como uma das 19 traduções oficiais deste documento memorável.

Qual é o meu papel como ator social arquivista e na qualidade de pesquisador independente na primavera de deixar florir as novas sementes pré-paradigmática no jardim de Terry Cook  (memória, identidade e comunidade), ou, no jardim mental mais florido de Fugueras PATRIMÔNIOMEMÓRIAIDENTIDADECONHECIMENTO, apontando o primeiro para o paradigma arquivístico da interpretação social, e, o segundo para a “dimensão cidadã” dos Arquivos ?

No meu olhar, uma resposta plausível seria contemplar a “promessa de sucesso” do novo paradigma, no buscar espraiar o conhecimento dos fatos que o paradigma parece revelar, aumentando as correlações de seus fatos observáveis e suas predições e dando minha parcela de contribuição em sua articulação frente a comunidade de arquivistas e demais  pares na Ciência da Informação e Ciências Sociais,   desse modo definido, didaticamente, por Kuhn:

A ciência normal consiste na atualização dessa promessa, atualização que se obtém ampliando-se o conhecimento daqueles fatos que o paradigma apresenta como particularmente relevantes, aumentando-se a correlação entre esses fatos e as predições do paradigma e articulando-se ainda mais o próprio paradigma.” (Kuhn, p. 44)

Por vezes pergunto-me, será que só eu percebi a sintonia das duas elaborações teóricas supra mencionadas, e, será que apenas um ator social Arquivista foi capaz de contemplar a revolução silenciosa imanente nestas propostas de paradigma? Talvez sim, pois há quase um ano busco ecoar este novo conhecimento na esfera pública do ciberespaço, só que até o presente momento (nov 2011), não tenho percebido receptividade na comunidade arquivística nacional.

Provavelmente, seja o tal sintoma de crise na esfera do conhecimento científico, ilustrada por Kuhn e Chalmers, um certo desconforto na mentalidade em voga que as novas possibilidades provocam. Essas novas possibilidades, por vezes, geram uma certa “anomalia”, provoca no saber constituído e nos castelos desse saber. Ops, mas se estamos no IIIº milênio na plataforma do processo de construção coletiva e colaborativa do conhecimento, então onde está a parceria e a camaradagem?

Mas se tiver um só que concorde, ou tenha sensibilidade intelectual e visão para compactuar do que tenho vislumbrado, por favor deixe-me saber, será um grande alento! Tudo bem, persistirei mais um pouquinho, até porque nutro a expectativa que o tempo para ser um ator social Arquivista, a princípio vai ser relativamente curto – até minha aposentadoria –  a qual, felizmente, está cada dia mais próxima!!! Que bom ter começado bem cedinho!! Seguirei por amor à camiseta e na esperança de deixar uma boa contribuição, aberta, bem articulada e fértil ao debate – ou embate. É por ai..

Considerações finais, um auto-exame de consciência:

Há uma longa jornada a ser trilhada! Há ainda muito por fazer, pesquisar e elaborar. Existem desafios a serem vencidos! Nutro a expectativa de que “…apesar de você (amplos desafios observáveis mais na órbita externa: falta de apoio de meus pares, involuções, estagnações e objeções dos egos inflamados. As ideologias agressivas que focam certas partes dos acervos em detrimento do conjunto documental oferecendo resistência velada a implementação de uma política de arquivos efetiva. Sinto a tristeza da falta de oportunidade e tempo de estar mais entre meus prezados pares para dialogar, expor as ideias, olhos nos olhos, submetendo assim à crítica. E, a pior de todas, a falta de oportunidade de trabalhar efetivamente na gestão de arquivos e/ou sua implementação, etc..)  apesar de tudo isso, amanhã vai ser outro dia…” (Benito de Paula).

Esta é a pior mazela: a falta de oportunidade de desenvolver um trabalho na área da arquivologia aplicada, por que ela vem acompanhada do fantasma do fenômeno da degeneração do talento não usado, pois ele vai se estragando e acaba se perdendo… A quem interessa esta perda e falta de oportunidade?

Tomara que esse novo dia, na aurora de um despertar institucional e social, chegue antes de minha aposentadoria – quando então, a prioridade deverá mudar radicalmente para outro tipo de viagem e contemplações com roteiros e paisagens bem diferenciadas!

No momento, busco apoio na espiritualidade e na metafísica divina para deixar as coisas fluirem o mais natural e agradável possível…

Referências

COOK, Terry. Congresso: “Memory, Identity and the Archival Paradigm: an interdisciplinary approach” Em sua palestra: “Shifting the archival paradigm for memory, identity and community” em 8.12.2010.

Conselho Internacional de Arquivos. Disponível em:<http://www.ica.org/>

FUGUERAS, Ramon Alberch. Los Archivos, entre la memoria histórica y la sociedad del conocimiento.  Barcelona: Editorial U, 2003.

JIMERSON, Randall C. Archives Power: Memory, Accountability and Social Justice. Society of American Archivists, SAA, 2009.

JIMERSON, Randall. “Archives for All: The Importance of Archives in Society”
Disponível em:<http://www.aag.org.br/anaisxvcba/conteudo/resumos/plenaria1/randalljimerson.pdf>

Kuhn, Thomas. A Estrutura das Revoluções Científicas. Editora Perspectiva. São Paulo. 1998. 5ª Edição.

Controle de edições e revisões do texto : Revisão 1.5| 18/11/11 – Jack Guterres

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